neste ano

De 16 investigações, apenas um caso de morte no trânsito está na Justiça

Camila Gonçalves

Fotos: Renan Mattos (foto acima) e Gabriel Haesbaert (foto abaixo)

Maio recém terminou e, com ele, mais uma campanha mundial de conscientização sobre os cuidados no trânsito para tentar evitar mortes nas estradas. O período, chamado de Maio Amarelo, já passou, mas o alerta para esse assunto continua mais do que atual. Santa Maria, por exemplo, já registra metade das mortes ocorridas em todo ano de 2017 (leia mais abaixo).

Autoridades de trânsito acreditam que uma das formas para diminuir as estatísticas é a penalização de quem, por imprudência ou descuido, acaba causando danos à vida de quem transita por ruas ou estradas ou mesmo de quem está sob o volante. O policial rodoviário federal Heder Macedo, chefe da 9ª Delegacia da PRF, com sede em Santa Maria, destaca que, nos últimos acidentes com mortes na região, o tipo mais comum foi colisão frontal.

- Cansaço, ingestão de álcool, velocidade incompatível com a via, não guardar distância de segurança do veículo a frente combinado com a manobra de ultrapassem e falta de atenção, sobretudo em razão do uso do smartphone, são alguns dos motivos para estes acidentes - avalia. 

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AS INVESTIGAÇÕES EM SANTA MARIA
A penalização de quem comete crimes de trânsito começa a tomar forma na investigação policial. Em Santa Maria, esse trabalho é feito pela Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP). Só neste ano, a DPHPP local instaurou 16 inquéritos para investigar homicídios de trânsito nos limites da cidade.   

A DPHPP abarca, além de homicídios no trânsito, casos de embriaguez ao volante e a chamada lesão corporal majorada, que é quando o motorista não tem Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e comete algum acidente que resulte em vítima ferida, foge do local do acidente ou atropela alguém na faixa de pedestre, por exemplo. Em 2018, por enquanto, só um dos 16 inquéritos já foi remetido à Justiça: o caso da morte do mototaxista José Luiz Soliman, 57 anos, que aconteceu em fevereiro. As diligências policiais concluíram que os motoristas de um Fiat Linea e de um Honda Fit estariam disputando um racha na Avenida Medianeira (foto acima) quando o Linea atropelou Soliman e seu passageiro, Marcelo da Rosa Godoy, 43 anos. William Ávila, 18 anos, que dirigia o Linea, e Guilherme Cheiuche Peccinin, 18, que conduzia o Honda Fit, foram indiciados por homicídio consumado (de Soliman) e tentado (do passageiro), ambos com dolo eventual, quando a pessoa assume o risco de matar alguém. 

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Os dois chegaram a ser presos preventivamente, mas estão soltos desde que suas defesas entraram com pedidos de habeas corpus. O Ministério Público também denunciou os jovens por homicídio qualificado e tentativa de homicídio qualificado, ambos com dolo eventual. Se o juiz entender que houve dolo, os dois serão julgados pelo Tribunal do Júri, ou seja, vão a júri popular.Quando os crimes de trânsito vão a júri popular.


QUANDO UM CRIME DE TRÂNSITO VAI A JÚRI POPULAR
Os casos enquadrados em dolo eventual são raros em Santa Maria. Desde que foi criada, em 2016, a Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP) só indiciou quatro pessoas por homicídio com dolo eventual nos 91 inquéritos envolvendo mortes no trânsito na cidade. Os quatro inquéritos viraram processos no Poder Judiciário e seguiram o entendimento da Polícia Civil de que os motoristas haviam assumido o risco de tirar as vidas em questão.  

Quando há entendimento de que não houve intencionalidade, o homicídio pode ser enquadrado como culposo. Nesse caso, as penas variam de 2 a 8 anos de prisão, segundo o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), e não vão a júri popular.

De acordo com o titular da DPHPP, delegado Gabriel Zanella, a investigação de um homicídio de trânsito é, muitas vezes, mais complexa do que um assassinato à mão armada. Segundo ele, muitas vezes, o motorista indiciado tem grande envolvimento emocional com a vítima, o que dificulta a investigação. Um desses casos envolve um motorista que conduzia a sua mulher grávida para uma consulta quando sofreram um acidente. A mulher acabou perdendo o bebê, e marido dela não conseguiu depor por conta dos problemas psicológicos que enfrentou depois da colisão.

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- Há uma tragédia por trás dos homicídios de trânsito. Muitas vezes, a culpa sentida pelo autor é maior do que qualquer coisa - conta Zanella. 

Em abril deste ano, um motorista que causou um acidente com morte ao atravessar uma rua preferencial no Bairro Rosário, em Santa Maria, em agosto de 2012, foi a júri popular no Fórum de Santa Maria. Durante seis anos, ele respondeu ao processo em liberdade. Ele foi condenado, e a sentença fixou pena de 6 anos em regime semiaberto ao acusado. A decisão de mandar o réu a júri popular foi do juiz Michael Luciano Vedia Porfírio, da 1ª Vara Criminal de Santa Maria. Ele declarou que "o réu imprimiu velocidade elevada na condução do veículo e desrespeitou a sinalização do local, não realizando a parada obrigatória".

No dia 21 de maio, o Diário entrou em contato com a assessoria de comunicação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS) para saber quantas sentenças condenatórias foram dadas nos últimos três anos envolvendo crimes de trânsito em Santa Maria e também a média das penas determinadas aos réus. A assessoria respondeu que solicitou os dados à Corregedoria do TJ, mas que não recebeu o levantamento até o fechamento desta edição.

SANTA MARIA JÁ REGISTRA METADE DAS MORTES DE 2017

Santa Maria já registra metade das mortes de todo o ano passado
Nem o endurecimento das leis, a fiscalização intensa e as campanhas de prevenção têm impactado na diminuição do número de vidas perdidas nas ruas e estradas de Santa Maria. Conforme as mortes no trânsito noticiadas pelo Diário, foram 45 acidentes neste ano na Região Central, incluindo rodovias estaduais, federais e aqueles que acontecem dentro das cidades, nas ruas e avenidas do perímetro urbano. 

Considerando o levantamento com base nas reportagens publicadas pelo Diário, o número de mortes na região chega a 54, incluindo Santa Maria. Na região, o mês de abril foi o mais violento até agora, com 20 mortos em acidentes, sendo cinco mortos em Santa Maria - na cidade, março foi o mês que registrou mais mortes: seis.

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No Coração do Rio Grande, foram 16 acidentes que resultaram em 16 mortes em 2018, exatamente a metade do total de acidentes de todo o ano passado. Confira, no quadro, os acidentes com morte registrados em Santa Maria neste ano:

JANEIRO

Dia 21 

  • BR-287, km 259
  • Saída de pista - Uma caminhonete S10 perdeu o controle em uma ultrapassagem, saiu da pista, caiu em um barranco e colidiu em uma árvore
  • Vítima - Salvador Martins Borges foi internado no Husm e morreu no dia 24 de janeiro

FEVEREIRO

Dia 18 

  • Bairro Tancredo Neves, na Avenida Paulo Lauda 
  • Queda de motocicleta - Um motociclista se acidentou quando um veículo não identificado cortou a frente dele, fazendo com que o motociclista perdesse o controle do veículo. Não há informações sobre o veículo que teria cortado a frente da motocicleta
  • Vítima - João Denner Flores de Medeiros morreu no acidente

Dia 25 

MARÇO

Dia 5 

Dia 11

Dia 18  

Dia 23 

  • BR-287, km 267
  • Atropelamento - Homem morreu depois de ser atropelado por um Fiesta que trafegava no sentido São Pedro do Sul-Santa Maria
  • Vítima - Valdir Machado Brum, 71 anos, morreu atropelado

Dia 26 

  • ERS 511, na localidade de Passo do Veado 
  • Um Classic perdeu o controle do veículo quando trafegava pela ERS-511
  • Vítima - A passageira do Classic, Laura Rodrigues, morreu no acidente

Dia 30 

ABRIL

Dia 7

Dia 12

  • ERS-509 (Faixa Nova de Camobi, próximo ao trevo do Castelinho) 
  • Atropelamento - Uma mulher foi atropelada por uma motocicleta que seguia no sentido Centro-Bairro
  • Vítima - Cleonice Leal da Silva, 53 anos, morreu no hospital no dia seguinte, em 13 de abril

Dia 17 

Dia 28 

  • BR-158, km 335
  • Colisão traseira - Motociclista trafegava pela Faixa de Rosário, no sentido Santa Maria-Rosário do Sul, quando foi atingido na traseira por um Fiat Palio Weekend que seguia no mesmo sentido
  • Vítima - Motorista da motocicleta, Luiz Carlos Martins, 39 anos, morreu no acidente

Dia 30 

MAIO

Dia 31 

  • Bairro Nossa Senhora do Rosário, Avenida Borges de Medeiros
  • Atropelamento - O motorista de um Celta, de 63 anos, trafegava no sentido Bairro-Centro quando atingiu a vítima
  • Vítima - O morador de rua Luis Gustavo Dutra da Silva, 56 anos, morreu no Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) horas depois do acidente

Junho

Dia 2 

  • RSC-287, no distrito de Palma, em Santa Maria, a 5 km do trevo de acesso a Silveira Martins 
  • Colisão frontal - Motorista de um Fiesta trafegava no sentido Santa Maria-Porto Alegre quando saiu da pista e colidiu contra um caminhão que vinha no sentido contrário. O motorista de uma caminhonete F-250 que trafegava atrás do Fiesta caiu em um barranco ao desviar dos veículos. Ele, a mulher, o filho e o motorista do caminhão sofreram lesões leves

Vítima - Estevan Preuss da Silva, 23 anos, morreu no local

NOVA LEGISLAÇÃO
Em abril deste ano, entrou em vigência a Lei 13.546/2017, que altera dispositivos no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). A professora Nara Suzana Stainr Pires, que atua nas universidades de Passo Fundo (UPF) e Estácio, explica que, entre as alterações, o artigo 291 repete o que está disposto no artigo 59 do Código Penal, que trata das circunstâncias judiciais de culpabilidade dos crimes de trânsito. As mudanças também aumentaram as penas de homicídio culposo e de lesão corporal culposa conforme artigos 302 e 303, respectivamente.   

Com isso, embora o Ministério Público denuncie alguém por homicídio de trânsito com dolo eventual, o juiz terá que levar em conta o CTB e o Código Penal. Caso o juiz utilize como base o Código Penal, um homicídio com dolo eventual consideraria a pena de 6 a 20 anos de prisão, enquanto o CTB determina penas menores. Se alguém cometer um homicídio ao dirigir embriagado, poderá ser julgado conforme o CTB e receber sentença de 5 a 8 anos de reclusão.  

De acordo com o advogado criminalista Tiago Luciano Amaral de Souza, a inclusão da embriaguez como qualificadora do homicídio culposo no CTB sugere afastar a discussão sobre dolo eventual, modalidade de homicídio doloso do Código Penal. Ele entende que, pelo princípio da especialidade, em que se deve utilizar a lei especial para determinados casos, os homicídios de trânsito que acontecem quando o motorista está alcoolizado configurarão a modalidade culposa, pela imprudência que é dirigir alcoolizado. 

- Assim, talvez sem ter sido essa a intenção do legislador, foi criada uma barreira legislativa que impede a discussão sobre ter o agente assumido o risco ou concordado com o resultado danoso (dois elementos para análise do dolo eventual), que seriam, então, discutidos dentro do rito processual dos crimes dolosos contra a vida - explica Souza. 

De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB)  
Homicídio culposo - Elenca a pena de 2 a 4 anos de detenção. Caso o motorista tenha dirigido sob influência de álcool ou outra substância psicoativa, a pena pode ser de 5 a 8 anos de reclusão 

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